Homenagem que fizemos à Isaurinha Garcia, textos de Raphael Vidigal
Carmen Miranda e Aracy de Almeida enchem a cabeça da menina que enche garrafas de vinho. Logo ela está cantando em auditórios, rádios e discos. A Personalíssima Isaurinha Garcia não esqueceu as influências, mas legou identidade própria para a posteridade. Uma cantora de timbre refinado e interpretação emocionada. Com seu jeito próprio de cantar e emocionar. Isaura Garcia é Isaura Garcia, para quem se aproxima de sua melodia, logo já é Isaurinha.
Mensagem
Um imbatível sucesso de Isaura Garcia foi o samba “Mensagem”, de Aldo Cabral e Cícero Nunes, lançado em 1946. No enredo, a história de uma mulher que recebe do carteiro o alento de um antigo amor. “Quanta verdade tristonha, a mentira risonha, que uma carta nos traz, e assim pensando rasguei, tua carta e queimei, para não sofrer demais”, diziam os versos finais da canção que poderiam servir de fundo para o atribulado romance que a cantora viria a ter com o pianista e organista Walter Wanderley na década de 50.
Camisa listrada
Aos 19 anos, Isaurinha Garcia ganhou o primeiro lugar de um concurso de calouros promovido pelo programa Clube Quá-Quá-Quarenta, em que cantava “Camisa Listrada” de Assis Valente. Na música é possível perceber o desespero da mulher que vê o seu homem desfilar na avenida vestindo suas roupas, sua saia e sua combinação. A música é uma combinação entre alegria e tristeza, e mostra de forma debochada e simples o contraste entre a fantasia do homem que sai para se divertir e a preocupação da mulher que assiste àquilo com ares de repreensão.
De conversa em conversa
Lúcio Alves era ainda um garoto quando musicou aos 16 anos “De conversa em conversa”, com letra de Haroldo Barbosa. O samba impressionou Isaura Garcia, que resolveu regravá-lo com o mesmo conjunto que acompanhou Lúcio, “Os Namorados da Lua”, do qual o cantor fazia parte. Em 1947, a personalíssima emplacava mais um sucesso, e dali a 6 anos, em 1953 era eleita a Primeira Rainha do Rádio Paulista, configurando-se como ícone da cidade.
Teleco-teco
Um samba de 1942 de letra inspirada, levada gostosa e espírito carnavalesco foi “Teleco-teco”, de Murilo Caldas e Marino Pinto que Isaurinha Garcia cantou com deliciosa interpretação. A música faz referência a um grande sucesso da época, “Praça Onze”, de Herivelto Martins e Grande Otelo, e reflete o desgosto da mulher que não se contenta com as estripulias do marido no carnaval, mas depois de um carinho não resiste a seus encantos.
E daí?
Em 1959 a bossa nova ganhava espaço de vez no cenário brasileiro, e uma das primeiras músicas do gênero foi composta por Miguel Gustavo, com o título de “E daí?”. A temática era um amor proibido que se fortalecia diante das dificuldades impostas. Isaura Garcia a lançava 20 anos depois de ser contratada pela Rádio Record e formar dupla com Vassourinha, um mulato cheio de bossa que se foi cedo para um outro mundo.
Homenagem que fizemos à Wilson Simonal, textos de Raphael Vidigal
“Vamos voltar à pilantragem!” anuncia a voz cheia de bossa e suingue estonteante do porte de um negro com bandana na cabeça e reverência à Martin Luther King. Ele rege o coro da platéia enquanto sua presença move multidões com “Meu limão, meu limoeiro”. Que poder é esse do homem chamado Simonal? É o poder da música. Do canto belo. Simonal é pura música, canto belo.
Sá Marina
A música brasileira procurava juntar influências no meio da década de 60, e foi com essa idéia que Antônio Adolfo compôs com Tibério Gaspar a “toada-moderna”, segundo ele, “Sá Marina”, estouro na voz de Wilson Simonal em 1968, ficando com o posto de primeiro lugar nas paradas por 19 semanas seguidas. A união de bossa nova, toada e iê iê iê surtiu o efeito esperado, Sá Marina subiu a ladeira para não descer mais.
Mamãe passou açúcar em mim
Sem vergonha de utilizar métodos artificiais para promover seus objetivos, o Gordo, apelido de Carlos Imperial por sua postura corpulenta e despachada no comando de seus programas de TV ou no cinema, teve fundamental importância na criação do chamado rock jovem na música brasileira, que mais tarde ele rebatizaria de “pilantragem”. Depois de tentar lançar sem sucesso o ícone da Jovem Guarda que viria a ser Roberto Carlos e de participar da produção do primeiro álbum de Elis Regina, posta para rivalizar com Celly Campelo, Imperial viu no mulato Wilson Simonal sua mina de ouro descoberta. Foi pensando nele que o apresentador, cantor e agitador cultural mais aplaudido e vaiado nos anos 60, compôs a convencida “Mamãe passou açúcar em mim”, em 1966: “Eu era neném, não tinha talco, mamãe passou açúcar em mim, mamãe passou açúcar em mim”
Vesti azul
Wilson Simonal era segundo Luís Carlos Mielle, “o maior cantor do Brasil”, e isso na década de 60 era inegável de se contestar. Não à toa ele comandava programas de TV, a exemplo do “Show em Si Monal” na Record e era frequentemente líder de vendas de discos. Foi por essa época, em 1968, que ele gravou uma canção de Nonato Buzar chamada “Vesti Azul”, cantada no mesmo ano com o nome de “Anjo Azul” pela cantora mirim Adriana, de apenas 14 anos. A versão de Simonal, como não poderia deixar de ser, chamou bem mais atenção.
Homenagem que fizemos à Maria Creuza, textos de Raphael Vidigal
Maria Creuza dos olhos fundos, brasileira, baiana, filha da poesia, querida do Poetinha. Romântica, abusada, nunca reprimida pela força do cantar que ultrapassa barreiras ideológicas, territoriais e de gênero. Maria Creuza na Esplanada, sonora. Maria Creuza, cantora. Não extingue admiração, há encantamento.
Você abusou
Maria Creuza conheceu Antônio Carlos na Bahia, e com ele estabeleceu casamento que ultrapassou as convicções musicais. Os dois tiveram três filhos e vários sucessos nas rádios do Brasil e do mundo, principalmente depois que migraram para o Rio de Janeiro. O primeiro grande êxito foi “Você abusou”, que Antônio Carlos compôs com Jocafi em 1971. O canto de Maria Creuza explicitava a beleza da composição que se esvairia de aspirações intelectuais. Ia direto ao coração.
Dom de iludir
Caetano Veloso se traveste de mulher para responder ao samba lamentoso de Noel Rosa. É a mulher que se defende das acusações do homem e apela à ele para que a deixe em paz, não mais a olhe, não a procure, não fale com ela. Maria Creuza cantou verso por verso da canção em 1976, com a habitual categoria.
Eu sei que vou te amar
Vinicius de Moraes foi apresentado a Maria Creuza em 1969, e a convidou para cantar com ele e Dori Caymmi no Uruguai. O Poetinha logo sem embeveceu pelos dotes musicais da cantora e passou a excursionar com ela e o compositor Toquinho por vários países europeus, onde os aplausos eram a tônica dos espetáculos. Dentre as muitas canções que Creuza gravou de Vinicius uma das mais belas foi “Eu sei que vou te amar”, parceria com Tom Jobim de 1959 que ganhou essa nova leitura em 1972, com o poeta recitando os versos em relevo de “Soneto de Fidelidade”. Uma preciosidade.
Onde anda você
Vinicius de Moraes e Hermano Silva procuravam em 1976 a moça que os deixara louco de tanto prazer. Até que encontraram em Maria Creuza a cantora exata para interpretar os versos, com a dose certa de leveza e emotividade.
Pouco importa
Maria Creuza sussurra a poesia derramada do samba-canção “Pouco importa”, do mestre da Mangueira, Cartola. Após a indiferença dos primeiros versos, vem a consagração erguida de um coração que superou ferimentos mesquinhos: “O ciúme e o desprezo são armas de dois gumes, quanto mais se degladiam, aumentam os queixumes, felizmente eu sou dotada de resignação, para não ferir meu coração”. Com o encerramento de um maravilhoso solo de saxofone.
Otália da Bahia
Uma música que não cita em nenhum momento o título. Essa foi a peripécia de Antônio Carlos e Jocafi ao comporem em 1976 a levada “Otália da Bahia”, com os irresistíveis versos “moça não merece medo, o amor quando não passa não merece medo, uma briga de pirraça não merece medo...” cantados por Maria Creuza.
Carmen Miranda e Aracy de Almeida enchem a cabeça da menina que enche garrafas de vinho. Logo ela está cantando em auditórios, rádios e discos. A Personalíssima Isaurinha Garcia não esqueceu as influências, mas legou identidade própria para a posteridade. Uma cantora de timbre refinado e interpretação emocionada. Com seu jeito próprio de cantar e emocionar. Isaura Garcia é Isaura Garcia, para quem se aproxima de sua melodia, logo já é Isaurinha.
Mensagem
Um imbatível sucesso de Isaura Garcia foi o samba “Mensagem”, de Aldo Cabral e Cícero Nunes, lançado em 1946. No enredo, a história de uma mulher que recebe do carteiro o alento de um antigo amor. “Quanta verdade tristonha, a mentira risonha, que uma carta nos traz, e assim pensando rasguei, tua carta e queimei, para não sofrer demais”, diziam os versos finais da canção que poderiam servir de fundo para o atribulado romance que a cantora viria a ter com o pianista e organista Walter Wanderley na década de 50.
Camisa listrada
Aos 19 anos, Isaurinha Garcia ganhou o primeiro lugar de um concurso de calouros promovido pelo programa Clube Quá-Quá-Quarenta, em que cantava “Camisa Listrada” de Assis Valente. Na música é possível perceber o desespero da mulher que vê o seu homem desfilar na avenida vestindo suas roupas, sua saia e sua combinação. A música é uma combinação entre alegria e tristeza, e mostra de forma debochada e simples o contraste entre a fantasia do homem que sai para se divertir e a preocupação da mulher que assiste àquilo com ares de repreensão.
De conversa em conversa
Lúcio Alves era ainda um garoto quando musicou aos 16 anos “De conversa em conversa”, com letra de Haroldo Barbosa. O samba impressionou Isaura Garcia, que resolveu regravá-lo com o mesmo conjunto que acompanhou Lúcio, “Os Namorados da Lua”, do qual o cantor fazia parte. Em 1947, a personalíssima emplacava mais um sucesso, e dali a 6 anos, em 1953 era eleita a Primeira Rainha do Rádio Paulista, configurando-se como ícone da cidade.
Teleco-teco
Um samba de 1942 de letra inspirada, levada gostosa e espírito carnavalesco foi “Teleco-teco”, de Murilo Caldas e Marino Pinto que Isaurinha Garcia cantou com deliciosa interpretação. A música faz referência a um grande sucesso da época, “Praça Onze”, de Herivelto Martins e Grande Otelo, e reflete o desgosto da mulher que não se contenta com as estripulias do marido no carnaval, mas depois de um carinho não resiste a seus encantos.
E daí?
Em 1959 a bossa nova ganhava espaço de vez no cenário brasileiro, e uma das primeiras músicas do gênero foi composta por Miguel Gustavo, com o título de “E daí?”. A temática era um amor proibido que se fortalecia diante das dificuldades impostas. Isaura Garcia a lançava 20 anos depois de ser contratada pela Rádio Record e formar dupla com Vassourinha, um mulato cheio de bossa que se foi cedo para um outro mundo.
Homenagem que fizemos à Wilson Simonal, textos de Raphael Vidigal
“Vamos voltar à pilantragem!” anuncia a voz cheia de bossa e suingue estonteante do porte de um negro com bandana na cabeça e reverência à Martin Luther King. Ele rege o coro da platéia enquanto sua presença move multidões com “Meu limão, meu limoeiro”. Que poder é esse do homem chamado Simonal? É o poder da música. Do canto belo. Simonal é pura música, canto belo.
Sá Marina
A música brasileira procurava juntar influências no meio da década de 60, e foi com essa idéia que Antônio Adolfo compôs com Tibério Gaspar a “toada-moderna”, segundo ele, “Sá Marina”, estouro na voz de Wilson Simonal em 1968, ficando com o posto de primeiro lugar nas paradas por 19 semanas seguidas. A união de bossa nova, toada e iê iê iê surtiu o efeito esperado, Sá Marina subiu a ladeira para não descer mais.
Mamãe passou açúcar em mim
Sem vergonha de utilizar métodos artificiais para promover seus objetivos, o Gordo, apelido de Carlos Imperial por sua postura corpulenta e despachada no comando de seus programas de TV ou no cinema, teve fundamental importância na criação do chamado rock jovem na música brasileira, que mais tarde ele rebatizaria de “pilantragem”. Depois de tentar lançar sem sucesso o ícone da Jovem Guarda que viria a ser Roberto Carlos e de participar da produção do primeiro álbum de Elis Regina, posta para rivalizar com Celly Campelo, Imperial viu no mulato Wilson Simonal sua mina de ouro descoberta. Foi pensando nele que o apresentador, cantor e agitador cultural mais aplaudido e vaiado nos anos 60, compôs a convencida “Mamãe passou açúcar em mim”, em 1966: “Eu era neném, não tinha talco, mamãe passou açúcar em mim, mamãe passou açúcar em mim”
Vesti azul
Wilson Simonal era segundo Luís Carlos Mielle, “o maior cantor do Brasil”, e isso na década de 60 era inegável de se contestar. Não à toa ele comandava programas de TV, a exemplo do “Show em Si Monal” na Record e era frequentemente líder de vendas de discos. Foi por essa época, em 1968, que ele gravou uma canção de Nonato Buzar chamada “Vesti Azul”, cantada no mesmo ano com o nome de “Anjo Azul” pela cantora mirim Adriana, de apenas 14 anos. A versão de Simonal, como não poderia deixar de ser, chamou bem mais atenção.
Homenagem que fizemos à Maria Creuza, textos de Raphael Vidigal
Maria Creuza dos olhos fundos, brasileira, baiana, filha da poesia, querida do Poetinha. Romântica, abusada, nunca reprimida pela força do cantar que ultrapassa barreiras ideológicas, territoriais e de gênero. Maria Creuza na Esplanada, sonora. Maria Creuza, cantora. Não extingue admiração, há encantamento.
Você abusou
Maria Creuza conheceu Antônio Carlos na Bahia, e com ele estabeleceu casamento que ultrapassou as convicções musicais. Os dois tiveram três filhos e vários sucessos nas rádios do Brasil e do mundo, principalmente depois que migraram para o Rio de Janeiro. O primeiro grande êxito foi “Você abusou”, que Antônio Carlos compôs com Jocafi em 1971. O canto de Maria Creuza explicitava a beleza da composição que se esvairia de aspirações intelectuais. Ia direto ao coração.
Dom de iludir
Caetano Veloso se traveste de mulher para responder ao samba lamentoso de Noel Rosa. É a mulher que se defende das acusações do homem e apela à ele para que a deixe em paz, não mais a olhe, não a procure, não fale com ela. Maria Creuza cantou verso por verso da canção em 1976, com a habitual categoria.
Eu sei que vou te amar
Vinicius de Moraes foi apresentado a Maria Creuza em 1969, e a convidou para cantar com ele e Dori Caymmi no Uruguai. O Poetinha logo sem embeveceu pelos dotes musicais da cantora e passou a excursionar com ela e o compositor Toquinho por vários países europeus, onde os aplausos eram a tônica dos espetáculos. Dentre as muitas canções que Creuza gravou de Vinicius uma das mais belas foi “Eu sei que vou te amar”, parceria com Tom Jobim de 1959 que ganhou essa nova leitura em 1972, com o poeta recitando os versos em relevo de “Soneto de Fidelidade”. Uma preciosidade.
Onde anda você
Vinicius de Moraes e Hermano Silva procuravam em 1976 a moça que os deixara louco de tanto prazer. Até que encontraram em Maria Creuza a cantora exata para interpretar os versos, com a dose certa de leveza e emotividade.
Pouco importa
Maria Creuza sussurra a poesia derramada do samba-canção “Pouco importa”, do mestre da Mangueira, Cartola. Após a indiferença dos primeiros versos, vem a consagração erguida de um coração que superou ferimentos mesquinhos: “O ciúme e o desprezo são armas de dois gumes, quanto mais se degladiam, aumentam os queixumes, felizmente eu sou dotada de resignação, para não ferir meu coração”. Com o encerramento de um maravilhoso solo de saxofone.
Otália da Bahia
Uma música que não cita em nenhum momento o título. Essa foi a peripécia de Antônio Carlos e Jocafi ao comporem em 1976 a levada “Otália da Bahia”, com os irresistíveis versos “moça não merece medo, o amor quando não passa não merece medo, uma briga de pirraça não merece medo...” cantados por Maria Creuza.
0 comentários:
Postar um comentário